
Eu Não Queria Acreditar Nisso | Capítulo Dezenove
Lucas conseguiu desfazer as amarras em suas pernas no mesmo momento. Clarissa tremia, Lucas continuava de costas para as outras duas quando Elisa caiu de joelhos na frente de Lynn e a lâmina começava a brilhar nas mãos da garota. Elisa tinha uma expressão de pura surpresa e espanto, estática enquanto Lynn lhe encarava, ainda em pé.
Tentou se levantar, Lucas lhe empurrou para trás com um olhar de aviso, algo implícito em sua expressão. Lynn estava de costas para os dois, então não viu o movimento, Clarissa continuou sentada no piso de cristal frio.
— Sinto muito, Elisa — disse ela, com um suspiro forçado. Clarissa sentiu as lágrimas escorrerem no próprio rosto, Lucas mais uma vez lhe segurou para que permanecesse no chão e Clarissa sentiu uma onda de pânico. O que diabos ele estava fazendo? Estavam do mesmo lado, não estavam? — Não precisava acabar assim para você e nem para eles. — A loira viu a luz dourada que parecia sair do corte no abdômen de Elisa, como se estivesse jorrando luz e refletindo-a na lâmina. Clarissa estremeceu.
Estavam presos ali de uma forma ou de outra, se não conseguisse abrir a porta...
Elisa fez um movimento rápido, girando de forma tão complexa que Clarissa mal conseguiu acompanhar com os olhos. Só viu os cabelos ruivos voando pelo ar como fogo, contrastando com todo o branco do salão e Lynn caiu no chão logo em seguida. Foi tudo tão rápido que a loira não sabia como, mas agora a ruiva estava por cima de Lynn, prendendo-a contra o chão e com a adaga em mãos enquanto a pressionava contra o peito da outra garota.
Lynn não parecia impressionada ou amedrontada, continuava lhe encarando com seus cabelos escuros espalhando-se pelo chão como raízes. Clarissa quase começou a rir com o alívio que sentiu.
— Que merda, Lynn! — gritou Elisa, indignada, e sua voz ecoou pelas paredes claras e detalhadas. Mágoa, fúria e indignação se misturavam naqueles olhos dourados que conhecia tão bem. Eles podiam ter mudado de cor, mas sempre seriam os olhos de Elisa. — Não acreditava que você realmente tentaria. Eu não queria acreditar nisso, mas você realmente o faria se tivesse chance, não é? — As mãos de Elisa tremiam ao redor da adaga, Clarissa surpreendeu-se com aquilo. Ela nunca deixava nada humano transparecer, nem mesmo respirava, mesmo que por força do hábito, como a loira fazia. — Eu sou a porra da comandante do exército e você acha que isso pode me deter? — Elisa inclinou-se para frente, pressionando a adaga ainda mais. Tinha a leve sensação de que a adaga não machucaria a ruiva, mas teria efeito em Lynn. Lucas se afastou e a loira entendeu aquilo como a deixa que precisava para se levantar e correr até a porta.
Seus pés deslizaram sobre o piso liso, deixou-se cair de joelhos diante das portas duplas de madeira. Eram realmente grossas, esculpidas em mínimos detalhes e demorou um pouco para conseguir encontrar as escritas de que Lucas havia lhe falado.
As frases não estavam escritas no alfabeto usual, as letras se pareciam mais com símbolos e só os reconheceu quando passou a mão pelos desenhos esculpidos e sentiu a energia pulsar. Ficou mais fácil depois disso e os símbolos se iluminaram, destacando-se na madeira com uma leve aura dourada que lhe auxiliava.
Ficou perplexa por um momento. Não fazia a menor ideia de como interpretar aquilo ou do que fazer agora, Lucas havia dito que precisava reverter o significado, mas...
— Não, não achei. É por isso que não estou sozinha — respondeu Lynn e Clarissa se virou, as sobrancelhas franzidas. Viu quando algo puxou Elisa para trás, para longe de Lynn e ela flutuou no ar, os pés suspensos e os cabelos ruivos serpenteando ao seu redor quando remexeu os braços, mas ainda estava presa acima do chão.
O vestido branco ondulava como uma maré prateada, Elisa ficou surpresa por um momento e só então Clarissa notou certa luminosidade no ar, como silhuetas douradas deslizando e deixando rastros brilhantes ao redor da ruiva. Eram como estrelas cadentes, a loira percebeu que tinham silhuetas humanas. Querubins? Querubins em forma pura?
Clarissa sentiu-se desorientada com a surpresa e mal teve tempo para lidar com o próprio choque.
Lucas estava no outro lado do salão, com a adaga levantada e recuando lentamente para se afastar das criaturas. Ficou tão espantada com aquilo que não percebeu que havia uma das silhuetas perto de si, só a reconheceu tarde demais, quando o contorno de luz avançou e atravessou seu corpo, fazendo-a gritar de dor.
Clarissa caiu para trás, sentindo tudo queimar. Era como se cada parte de seu corpo fosse tomada por chamas, seus pensamentos foram embaralhados quando a luz ofuscante tomou toda sua visão e ficou desorientada por causa da dor, convulsionando contra o piso frio. Estava tão zonza por causa da luz e do corpo latejando que tudo parecia girar, teve um momento que sentiu os músculos relaxarem no meio das convulsões, a iluminação excessiva barrando a visão panorâmica do salão.
Percebeu que estava se movendo, colocando-se de joelhos e apertando a adaga que Lucas lhe dera, demorou alguns segundos até que percebesse que os movimentos não eram voluntários. Sua pele estava tomada por um brilho dourado e percebeu que seu braço aproximava adaga da barriga, pressionando-a contra a roupa que usava.
Clarissa arregalou os olhos, mas não conseguia parar ou abrir as mãos para deixar a adaga cair. A adaga transpassou sua blusa e finalmente chegou em sua pele. Era estranho. Não doía como esperava, mas sentia que a adaga sugava sua energia como se estivesse puxando uma linha dentro de si.
A loira falseou, zonza, e seus olhos se fecharam como se não conseguissem permanecer abertos. Era como estar fora de si, toda a onda entorpecente vinha da lâmina. Os barulhos pareciam longínquos e as coisas giravam lentamente, desequilibrando-a e alguém a segurou quando quase caiu novamente e puxou suas mãos com agilidade.
Clarissa ouviu o baque da adaga caindo no chão, foi envolvida por braços e estava entorpecida demais para pensar sobre isso. Seus pensamentos giravam, demorou algum tempo para perceber que estava deitada no colo de alguém e havia uma voz lhe chamando com certa urgência, fazendo-a piscar, ainda confusa.
Reconheceu primeiro os cabelos ruivos de Elisa, caindo sobre si como uma maré vermelha e só então viu os olhos dourados aliviados.
— O que diabos está fazendo aqui? — perguntou, deixando certo pânico transparecer. Clarissa demorou um pouco para assimilar suas palavras enquanto se sentava, tudo girou por ter se movimentado rápido demais.
Ainda sentia toda a região do abdômen entorpecida, anestesiada.
— Tentando romper o selo e abrir a porta — respondeu, estremecendo. Ainda via tudo muito luminoso e borrado, precisou piscar algumas vezes para observar a face preocupada de Elisa, e ela estava abrindo a boca para falar algo quando Clarissa a interrompeu. — Tarde demais para seus ataques superprotetores, Liz — disse, com um revirar de olhos. Só então viu os vultos luminosos se aproximando, uma velocidade alta demais para conseguir acompanhar com os sentidos humanos. Percebeu as espadas quando eles já estavam bem próximos. — Lisa! — gritou, fazendo a ruiva se virar para ver as três silhuetas. Elisa ergueu a mão quando as espadas deslizaram no ar, as três lâminas pararam no ar como se houvesse uma barreira as impedindo de continuar.
Clarissa continuava com os olhos arregalados, olhando para a mão erguida de Elisa congelando as espadas no ar, as três criaturas cintilando em ondas calorosas de energia. A ruiva fez um movimento elegante com mão, houve um estrondo alto como um raio e um jato de luminosidade que jogou as três criaturas para trás com força, a loira sentiu o poder arrastando seus cabelos para trás como vento.
Sentia novamente o poder emanando de Elisa como ondas, pulsando sem parar. Uma das espadas caiu no chão, Elisa foi rápida quando inclinou-se e envolveu a mão no punhal. Por um momento, aquela garota que conhecia e confiava desapareceu por trás da querubim poderosa que tomou seu lugar como uma chama resplandecente.
Clarissa conteve o nó na garganta e a vontade de recuar amedrontada.
— Lembra-se do escudo de energia que Kenan lhe ensinou? — questionou, e a loira assentiu com a cabeça, sem conseguir falar enquanto observava o resto do salão. Não sabia onde Lynn estava, via Lucas tentando se defender com um olhar preocupado, mas a lâmina da adaga era curta demais. — Use a energia dos símbolos da porta, você vai saber o que fazer — disse ela e mais uma vez Clarissa fez um gesto positivo com a cabeça quando a ruiva se levantou e se afastou. E então Elisa brilhou, Clarissa nunca havia visto o brilho dourado tão forte ao seu redor.
A aura dourada se expandiu como chamas, os cabelos ruivos misturaram-se com as ondas de poder que emanavam dela e tudo pareceu congelar quando ela ergueu a espada. Mais do que nunca, Elisa parecia uma das pinturas bíblicas, imponente e poderosa, rodeada de uma perfeição inatingível.
Clarissa se voltou para a porta quando viu as silhuetas douradas se aproximando em vultos. Tocou os símbolos, deixou que as pontas dos dedos deslizassem por eles. Sentiu-os vibrar, como se estivesse tocando uma caixinha de som e prestou mais atenção na energia da vibração. Se pareciam com sons e eram extremamente familiares, não sabia como.
Deslizou a mão mais uma vez, contornando o símbolo com o dedo e inspirou fundo, deixado a energia vibrar na ponta de seus dedos e criando um círculo ao seu redor. Focou no círculo lhe envolvendo, como uma redoma transparente lhe protegendo e podia ouvir espadas atrás de si, sentir as ondas de energia flutuando, os sons de passos e Elisa gritando alguma coisa para Lucas.
De repente, tudo silenciou, os barulhos foram isolados e não sentiu mais as ondas de energia flutuando ao seu redor. Clarissa sorriu com certo orgulho, percebendo que havia conseguido criar a barreira protetora ao seu redor.
Kenan havia falado que era necessário um ponto estável para fazê-la, os símbolos eram exatamente aquilo.
Olhou para trás por alguns segundos. Elisa agora cambaleava para trás, a espada havia caído no chão e ela levava as mãos até a cabeça, os olhos fechados em uma careta de dor enquanto parecia desorientada. A loira se remexeu, quase se levantando para ir até ela, mas viu que Lucas já estava correndo na direção da ruiva para ajudá-la. Voltou-se para a porta de forma mais urgente, os olhos percorrendo os símbolos para tentar encontrar algum padrão.
Podia perceber a vibração com mais facilidade agora que tinha silêncio e a energia não era tão bagunçada. Aos poucos, entendeu o porquê de Lucas ter lhe trazido até ali: Era como um alfabeto, não havia o estudado, mas fazia total sentido e conseguia ligar as energias como se fossem letras, costurando-as como palavras.
Elisa havia lhe dito que não era preciso estudar a linguagem dos querubins, até mesmo um ascendente, um híbrido entre fantasma e querubim, conseguiria compreender por estar conectado energeticamente. Vagarosamente, foi compreendendo os sigilos que lacravam a porta e os percorrendo com os olhos, tentando encontrar alguma forma de manipulá-los.
Entendera que os símbolos foram usados para bloqueio, Lynn os escrevera e depois implantara sua energia para que permanecessem fixos ali, então só precisava achar algum modo de mudá-los, de mexer em sua energia. Até pensara em mudar os desenhos, mas tinha medo de desenhar algum símbolo errado e piorar a situação, então apenas fechou os olhos e colocou as duas mãos sobre a madeira.
Conseguia sentir as palavras se formando, como se os símbolos sussurrassem seus significados, lhe lembrando teclas de piano com sua cacofonia. Tentou reeditar o comando energético, esperando que aquilo modificasse os símbolos e começou deslizando as mãos sobre os entalhes, arrastando-os como se estivesse reorganizando e trocando a ordem.
Era como brincar com os prefixos e sufixos das palavras, errava algumas vezes e percebia que tudo perdia o sentido, era um trabalho minucioso e foi se guiando às escuras. Tudo parecia familiar, usou todo o conhecimento de línguas antigas que tinha enquanto mantinha as sobrancelhas franzidas, arrastando os símbolos quando sentia sua energia e ouvia seu som primitivo.
Abriu os olhos quando se deu por satisfeita. É claro que Lucas lhe trouxera para aquele trabalho, afinal, sentia que os símbolos eram uma mistura de línguas antigas e por isso tivera alguma facilidade em manipular. Se surpreendeu ao ver que os símbolos brilhavam mais forte e ao perceber que alguns deles haviam mudado de lugar, até mesmo tinham novas linhas e contornos, destacando-se na madeira em um brilho arroxeado — e não mais dourado.
Clarissa arregalou os olhos. Estava sentada sobre os pés e se colocou de joelhos para puxar o trinco, mais uma vez sorriu orgulhosa quando a porta se abriu sem muito esforço e viu ocorredor vazio.
Algo chamou sua atenção antes que pudesse abrir totalmente a porta e viu três símbolos escritos separadamente, camuflados entre os desenhos. Estavam organizados em uma linha vertical, o que fez Clarissa franzir as sobrancelhas quando encostou a porta novamente.
Ouviu espadas retinindo e voltou a sentir as ondas de energia atrás de si, uma cacofonia bagunçada que lhe desconcentrava. Quando passou os dedos pelos símbolos, ficou ainda mais confusa ao notar que havia uma energia diferente, mais chamativa e forte do que dos outros entalhes.
O pulsar e as palavras que surgiram em sua mente sugeriam algo como invocação, só conseguia pensar em um chamado, uma linha dimensional. Parou por um segundo e olhou para trás.
Lucas e Elisa estavam de costas um para o outro, se defendendo dos ataques luminosos das criaturas. Clarissa conseguia sentir o calor e a explosão de energia dali, como uma bola de chamas tomando o ar enquanto Elisa e Lucas tentavam bloqueá-la com uma barreira invisível. Eles não tinham tempo para contra-atacar, estavam em menor número, Clarissa mal conseguia contar as silhuetas douradas que via espalhadas pelo salão.
É claro. Se conseguisse desfazer e mudar aqueles três símbolos...
Clarissa pegou a adaga, decidindo arriscar. Tocou a madeira com a ponta da lâmina e não precisou forçar o aço contra a porta, era como se conseguisse moldar de leve. Fez um risco embaixo de um dos símbolos e uma linha atravessando outro, o interrompendo, cortando o fluxo e a conexão. Fez um círculo ao redor deles, completando o que tinha em mente e colocando a mão sobre o símbolo.
Deixou sua energia escorregar até o desenho, como havia aprendido com Kenan. Novamente, eles assumiram uma iluminação roxa e Clarissa sentiu tudo vibrar ao seu redor, seus cabelos voaram da mesma forma como reagiu à energia de Elisa, como uma brisa forte passando pelo gigantesco salão.
Hesitou quando se virou e só então percebeu que as figuras douradas começaram a se afastar lentamente, mesclando-se no ar e então desaparecendo em um lapso de luz. Todos os três ficaram perplexos encarando aquilo, os querubins simplesmente recuaram e desapareceram no ar sob o olhar atento e confuso de Lucas e Elisa.
Segundos depois, o salão estava silencioso e vazio, Elisa caiu de joelhos como se não tivesse forças para se manter de pé. Clarissa não hesitou, atravessou o salão com os pés deslizando para chegar até ela.
Caiu de joelhos ao lado da ruiva, tirando suas mechas compridas e bagunçadas do rosto. Elisa lhe encarava com um olhar de admiração por trás do cansaço.
— Como? — questionou, a voz baixa foi o melhor que pôde reproduzir. A loira viu, com preocupação, o quanto ela parecia exausta e esgotada, a aura dourada quase havia desaparecido e os olhos haviam perdido o brilho latejante. Ela tinha um aspecto estranhamente humano e normal.
— Havia um símbolo de invocação, deduzi que fosse para manter os querubins aqui e mudei para banimento — disse, franzindo as sobrancelhas. Não entendia o motivo de se invocar um querubim, eles ficavam quase todos naquela dimensão, certo? E também não sabia se Elisa conhecia a identidade deles, se eram desertores ou qualquer coisa assim.
Tinha muitas dúvidas e percebeu que Elisa pareceu confusa também, mas deixou isso transparecer por apenas alguns segundos. Lucas tinha as sobrancelhas franzidas, mas não falou nada.
— Você conseguiu — sorriu ela e Clarissa sorriu também, rindo baixo ao assentir. Ajudou Elisa a se levantar, ela falseou, zonza e Clarissa a firmou em seus braços, observando o salão silencioso, as paredes decoradas e o teto cheio de pinturas. Lynn não estava em lugar nenhum e aquilo lhe deixou tensa ao pensar se ela estaria tramando mais alguma coisa.
Lucas parecia realmente estressado.
— Eu não literalmente morri para precisar me preocupar com espadas feitas de material interdimensional que podem acabar com minha existência como um todo — bufou ele, revoltado. Elisa riu de leve e apoiou a cabeça no ombro de Clarissa, que passou o braço em sua cintura e a abraçou de forma aliviada. — Sinceramente? Como se faz para morrer em paz nesse lugar? — questionou e Clarissa sentiu um calafrio, uma sensação estranha que se parecia com um frio na barriga, um súbito nervosismo. Apertou ainda mais o braço ao redor de Elisa e ela também abraçou sua cintura, lhe dando segurança.
— Bem-vindo à vida de querubim — comentou a ruiva, com um leve dar de ombros. Clarissa mais uma vez passou o olhar ao redor do salão, se questionando onde estava Lynn, mas ela aparentemente havia sumido durante a luta. Aquela sensação inquietante não passou.
— Clarissa! — Uma voz gritou da porta, fazendo com que os três se virassem ao mesmo tempo e viu Kenan entrando correndo, uma risada irônica ecoou no salão e só então viu Lynn parada perto da porta.
Mais uma vez se sentiu confusa, zonza e viu Arthur entrando logo depois. Ele puxou Lynn pelo braço, ela pareceu surpresa, mas não apresentou resistência quando ele tocou seu pulso e Clarissa viu brilho dourado lhe consumir, subir de seu pulso e envolver seu braço como chamas, até lhe consumir por completo.
Ela sumiu quando piscou, Clarissa piscou mais duas vezes para ter certeza de não fora apenas uma ilusão de luz e sombra. Provavelmente era assim que desaparecera do quarto e aparecera naquele lugar cinzento e por trás das grades brilhantes e violetas.
— Não se mexa e não tente usar seus poderes — sussurrou Elisa, tão perto de seu ouvido que lhe fez estremecer. Percebeu que a ruiva lhe abraçava com mais força agora, de um modo que não lhe deixava se mover e Clarissa baixou os olhos com cuidado, mais um calafrio tomando seu corpo como se o gelo estivesse fincado em suas veias.
A escuridão se espalhava sobre seus pés como uma poça, uma pequena piscina sem fundo por trás de seus calcanhares e entendeu o porquê de Elisa lhe segurar com tanta força. O frio parecia avançar por toda sua panturrilha, envolvendo seu corpo e espalhando aquela energia dentro de si, fazendo Clarissa se encolher nos braços da ruiva.
— Liz... — murmurou, quase sem voz. Sabia o que era aquilo. Kenan havia lhe ensinado a identificar um portal e também havia lhe explicado sobre sua ligação com o portal de energia demoníaca quando os dois conversaram antes do julgamento.
Não precisou de muito para ligar os pontos. Não controlava a energia demoníaca ligada à si, e ela havia se externalizado em um portal. Sentiu um aperto na garganta, uma pontada de medo que parecia mais um soco no estômago.
— Vamos dar um jeito — prometeu Elisa, em um tom exasperado e Clarissa tensionou os lábios quando negou com a cabeça. Olhou para baixo e viu a mancha se expandindo no piso estampado de ametista. Podia senti-la ao seu redor, a energia serpenteando em sua pele e lhe puxando para trás de uma maneira sedutora.
Já teria caído se não fosse por Elisa, era como se houvesse um laço a puxando para dentro, uma pressão estranha.
— Se tentarmos desmontar o portal, podemos prejudicá-la. A energia está ligada a você, o portal não teria como se manter quando passasse por ele — murmurou Kenan, parecendo pasmo e ele havia puxado Lucas para trás, afastando-o da mancha que se expandia e parecia engolir o piso. Era quase nebuloso, as bordas pareciam esfumaçadas e não conseguia ver mais onde terminava e começava a fenda infinita que se abria ali.
Clarissa riu baixinho de forma amarga, pensando em como sentia aquele poder ligado ao seu e em como doeria destruir aquele portal. Seria como se autodestruir. É claro, provavelmente Lynn esperava que Elisa lhe acompanhasse quando fechasse o portal e assim ficasse longe da investigação.
— Você não vai vir comigo, é isso que ela quereria. Você vai ficar aqui e resolver o problema. Por mim e por Lena, você precisa ficar — disse, sem deixar Elisa falar. Ficou surpresa com a firmeza em sua própria voz, mas estava tão furiosa, cansada e magoada com tudo aquilo, que não teve dificuldades de falar novamente. — Não vou dar o que ela quer, não de novo — completou, e o tom saiu mais exausto do que esperava. O olhar desesperado de Elisa fez alguma coisa desabar dentro de si, os olhos cintilaram em lágrimas que reluziram nas bochechas, mas não recuaria agora.
Elisa daria um jeito de lhe salvar, sabia disso. Mas não podia deixá-la fazer exatamente o que Lynn queria que ela fizesse.
— Cass... — sussurrou ela, sem palavras. Suas mãos se apertaram ainda mais ao redor da loira, as duas com os corpos colados e o silêncio tenso pulsando ao redor. A ruiva negou com a cabeça lentamente, sem dizer nada. Clarissa soube que não conseguiria convencê-la com seus próprios argumentos.
— Eu não estou com medo, como poderia ter medo depois de tudo isto? — riu baixinho, focando nos olhos de Elisa e deixando mais lágrimas atravessarem as bochechas. A ruiva viu a confiança no olhar dela, confiança de que ficaria tudo bem e que acharia algum jeito de salvá-la. — O que Lynn disse... Era verdade? — questionou, baixinho e elas se encaravam nos olhos agora. Clarissa sentia a escuridão se expandindo ao seu redor, mas era nos olhos luminosos e cheios de lágrimas de Elisa em que focava.
Novamente a loira se sentiu puxada, a pele formigou, lhe lembrando que não tinha muito tempo.
— Eu... — começou Elisa, e Clarissa se inclinou, calando-a com um beijo leve e frio. A ruiva sentiu o frio nos lábios dela e viu aqueles olhos castanhos mais de perto, observando cada lapso de cor.
— Sinto muito — sussurrou Clarissa, de uma forma tão intensa que transmitia muito mais do que duas palavras. Elisa gritou quando a loira lhe empurrou com força e se jogou para trás. Não teve como impedir que ela fosse engolida pela escuridão, que aquela neblina escura se fechasse ao seu redor e a absorvesse.
Foi como se algo estourasse do centro do salão, a ruiva foi jogada para trás com um impacto, a onda de poder frio e intenso que veio ao seu encontro lhe pegou despreparada, lhe fez cair longe de onde a loira estava. Girou no chão duro, sem conseguir se proteger a tempo e só conseguia pensar em Clarissa, em agarrar seu pulso e não soltar até que encontrassem um jeito de desfazer o portal.
Quando Elisa finalmente conseguiu se localizar o suficiente no meio daquela bagunça para levantar o olhar, mesmo com tudo girando ao seu redor, percebeu que o portal já havia sido fechado. O portal já havia sido fechado e Clarissa não estava mais ali.
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