II
8 meses depois...
A manhã foi uma sequência de passos mecânicos, como se eu estivesse em uma linha de produção. O peso do vestido, as camadas de tecido que me faziam parecer uma boneca de porcelana, a maquiagem sendo cuidadosamente aplicada por mãos desconhecidas. Não me sentia como uma noiva. Eu não queria estar ali. Não por ele, mas porque sabia que, ao dizer "sim", estaria apenas cumprindo um papel. Um papel que me afastaria da pressão de minha mãe e me permitiria seguir meu verdadeiro sonho de ser detetive. Era o único motivo pelo qual aceitei esse casamento. Um contrato, nada mais.
Eu sabia que Noah estava à minha espera, com toda a sua aparência impecável, como sempre. Ele era o tipo de homem que ficava no centro de todos os olhares. Charmoso, rico, com um sorriso que parecia ser feito para desarmar qualquer mulher. Mas eu não era qualquer mulher. Eu estava ali, não por amor, mas por necessidade. Para sair de casa, para me livrar de uma vida que nunca quis. Para poder finalmente estudar, sem ter que me tornar a figura que minha mãe sempre quis que eu fosse.
Quando as portas da igreja se abriram, a visão de Noah estava lá, esperando por mim. O altar estava decorado como se fosse um cenário de filme, e o que eu sentia não era excitação, mas um vazio. Caminhei até ele, tentando ignorar o peso do vestido, sentindo os olhares em minhas costas. Cada passo que eu dava, uma lembrança de que aquele casamento não passava de uma farsa.
Cheguei até ele e, sem dizer nada, olhei para o padre. O ritual começou, e as palavras soaram como uma formalidade. Nada ali parecia real, mas era o que tínhamos que fazer.
— Você aceita Noah para ser seu marido? — perguntou o padre.
Eu olhei para Noah, os olhos dele frios, calculistas, como se já soubesse a resposta. E eu, sem hesitar, disse:
— Eu aceito.
Noah, com um pequeno sorriso cínico, repetiu as palavras. Ele parecia quase entediado com a situação, como se já tivesse decorado tudo o que precisava dizer.
— Eu aceito.
A voz do padre ecoou com a declaração de que estávamos oficialmente casados. Não havia emoção em minha voz, nem na dele. Apenas um reconhecimento do que era necessário.
Então, ele me puxou pela cintura, com uma força inesperada. O beijo foi rápido, mas, de alguma forma, intenso. Algo que parecia desprovido de sentimentos, mas perfeitamente sincronizado, como um movimento coreografado. Quando ele se afastou, os olhos dele estavam ainda mais penetrantes.
— Já somos casados, boneca. — Ele sorriu, mas a expressão era fria. — Agora, o que você vai fazer?
Eu apenas o olhei, tentando esconder a frustração que se formava em meu peito. Não era o que eu queria, mas era o que eu tinha.
Seguimos até a saída, o som dos aplausos de todos os presentes ecoando em meus ouvidos. Não me importava com as pessoas ao nosso redor, apenas com o fato de que aquilo era apenas um contrato. Nada mais.
A festa continuava em um ritmo frenético, uma celebração da riqueza e da ostentação, onde os convidados estavam mais preocupados em exibir suas joias e sorrisos falsos do que realmente prestar atenção em quem estava ao seu redor. Eu estava ali, isolada no meio de toda aquela formalidade, enquanto Noah parecia completamente à vontade, embora mantivesse uma postura séria. Não parecia mais do que uma encenação para ele, como se estivesse apenas cumprindo um papel que já havia ensaiado. Eu estava lá apenas para uma coisa: fugir do meu passado. Mas, enquanto observava Noah, uma pergunta insistente se formava em minha mente: Ele também está fingindo?
Enquanto tentávamos caminhar em direção à pista de dança, o peso do meu vestido tornava cada passo mais difícil. Era um modelo elegante, mas claramente desenhado por alguém que nunca teve que usá-lo em uma cerimônia interminável como essa. Noah, com seu olhar atento, percebeu minha dificuldade e, é claro, não perdeu a oportunidade de fazer um comentário.
— Vai precisar de ajuda, boneca? — ele perguntou, aproximando-se com um sorriso que misturava diversão e sarcasmo. Sua voz tinha aquele tom característico, como se ele estivesse sempre provocando, testando meus limites.
— Agradeço a oferta, mas acho que consigo sozinha — respondi, tentando soar firme, mas o esforço para equilibrar o vestido e não tropeçar em meus próprios pés estava claramente falhando.
— Claro que consegue — ele disse, inclinando-se ligeiramente para perto de mim. — Mas não seria tão divertido assistir.
Eu o encarei de relance, tentando esconder meu incômodo. Noah tinha essa habilidade irritante de me deixar desconfortável e, ao mesmo tempo, completamente ciente de sua presença.
Chegávamos ao fim da cerimônia quando os colegas de Noah se aproximaram. Eram um grupo de homens que pareciam mais preocupados em exibir seus ternos caros e suas piadas sem graça do que em celebrar o momento. Um deles, o mais loiro, tinha um sorriso largo demais, como se estivesse sempre planejando a próxima piada.
— Ah, olha só, a bonequinha do Noah! — ele exclamou, e eu senti cada palavra como um golpe de desdém.
Antes que eu pudesse reagir, o sujeito se inclinou para apertar minhas bochechas de forma descarada.
— Que fofinha... parece uma boneca de porcelana! — Ele riu alto, claramente satisfeito com sua própria "brincadeira".
Minhas mãos se fecharam em punhos, e eu estava pronta para revidar, mas Noah foi mais rápido. Sua mão agarrou o braço do rapaz com uma força que fez o sorriso do outro desaparecer instantaneamente.
— Tira a mão dela. Agora. — A voz de Noah era baixa, mas havia algo nela que fazia o ar parecer mais pesado. Seu olhar era cortante, e a tensão em seu maxilar deixava claro que ele não estava para brincadeiras.
O loiro recuou, mas tentou disfarçar o desconforto com uma risada nervosa.
— Calma, Noah... Era só uma brincadeira! — ele disse, levantando as mãos em sinal de rendição.
Noah inclinou-se ligeiramente para frente, sem soltar o braço do sujeito, e sua voz ganhou um tom ainda mais ameaçador.
— Você acha que isso é engraçado? Porque eu não estou achando. Nunca, mas a chame de Bonequinha você entendeu? — Disse em um tom ameaçador.
O loiro olhou ao redor, claramente esperando que os outros amigos o ajudassem, mas eles pareciam tão desconcertados quanto ele. O mais arrogante do grupo, um homem de cabelos escuros e expressão presunçosa, finalmente interveio.
— Qual é, Noah, deixa disso. Foi só uma piada idiota. — Ele deu um passo à frente, mas recuou imediatamente quando Noah lançou um olhar frio e calculado em sua direção.
— Se mais alguém tocar nela ou tiver a audácia de abrir a boca para falar algo desrespeitoso, vocês vão entender o que é ultrapassar um limite. Entendido? — As palavras de Noah saíram com uma firmeza que me fez estremecer.
— Certo, cara, entendido. Foi mal. — O loiro finalmente murmurou, esfregando o braço onde Noah o segurara.
Eu observei tudo em silêncio, sentindo uma mistura de alívio e desconforto. Noah se virou para mim, sua expressão ainda carregada de tensão.
— Você está bem? — Ele perguntou, desta vez em um tom mais suave, mas ainda com um peso na voz.
— Eu estava lidando bem até o momento, mas obrigada por intervir — respondi, tentando equilibrar a sinceridade com um toque de sarcasmo.
— Lidando bem? — Ele arqueou uma sobrancelha, claramente descrente. — Se eu não tivesse chegado, provavelmente você não teria dado um soco nele.
— E quem disse que eu não planejava fazer isso? — retruquei, cruzando os braços.
— Bom, da próxima vez, me avisa para eu assistir. — Ele sorriu de lado, finalmente deixando escapar um pouco da tensão.
Ainda assim, o ambiente ao nosso redor parecia denso. O grupo de amigos de Noah se afastou, lançando olhares desconfiados, enquanto eu tentava entender a dualidade dele. A maneira como ele os enfrentou foi surpreendente, mas também perturbadora. Havia uma força e uma frieza ali que eu não sabia como processar.
— Você sempre é assim com eles? — perguntei, curiosa, mas mantendo o tom leve.
Ele olhou para mim, a intensidade ainda presente em seus olhos.
— Não. Mas eles nunca tocaram em algo que me pertence antes. Além do mais eu não tenho amigos.
O comentário me pegou desprevenida. Sentir minhas bochechas esquentarem e olho para o lado tentando disfarçar. Ele já estava se afastando, mas as palavras dele ficaram. Algo que me pertence. Noah sempre tinha um jeito peculiar de demonstrar o que sentia, e esse momento não foi diferente.
O restante da noite passou em um borrão de olhares furtivos, palavras cortadas e um peso crescente em meu peito. A música alta e as conversas abafadas pela dança pareciam uma cortina entre mim e Noah. Ele estava ali, próximo o suficiente para que eu sentisse sua presença, mas distante, como se a mente dele estivesse em outro lugar. O episódio com os amigos parecia ter afastado ainda mais qualquer tentativa de conexão.
Enquanto eu me afogava em goles de vinho, ele pegava o celular e trocava mensagens, seus dedos deslizando rapidamente pela tela. Cada notificação que iluminava o rosto dele era uma pequena faísca de algo que me escapava, e isso me incomodava mais do que deveria.
Finalmente, quando a festa começou a perder o brilho e o salão se esvaziava, ele se aproximou de mim. Sem dizer nada, segurou minha mão, guiando-me para fora. O silêncio entre nós era quase palpável, preenchido apenas pelo som dos meus saltos ecoando pelo piso de mármore e pelo farfalhar do vestido que arrastava no chão.
O ar frio da noite me fez estremecer assim que saímos, mas Noah parecia imune à temperatura. Ele abriu a porta do carro para mim e esperou pacientemente enquanto eu me acomodava, ajustando o vestido volumoso com dificuldade. A viagem até o hotel foi breve, mas repleta de tensão. Olhei para ele algumas vezes, esperando algum sinal de que a distância que sentia fosse só coisa da minha cabeça, mas ele permaneceu em silêncio, com os olhos fixos na estrada.
Quando chegamos, as luzes douradas da entrada do hotel criavam um contraste acolhedor com a escuridão da noite. Eu estava zonza, e não era só pelo vinho, mas também de sono. Noah deu a volta no carro rapidamente e abriu a porta para mim, estendendo a mão.
— Você vai conseguir andar com isso ou vai precisar de ajuda? — Ele perguntou, o tom carregado de ironia, mas seus olhos tinham um brilho de diversão que me desarmou.
Eu ri, tropeçando levemente enquanto tentava sair. A saia volumosa do vestido parecia crescer a cada movimento, arrastando-se pelo chão como um obstáculo vivo.
— Não sei se consigo sobreviver a essa roupa — murmurei, tentando rir da minha própria desgraça.
Antes que eu pudesse tropeçar de novo, Noah suspirou e, em um movimento rápido, me pegou no colo.
— Acho que tenho que salvar a princesa antes que ela se perca no próprio vestido — ele comentou, com um sorriso no canto dos lábios.
Senti meu rosto queimar, mas não protestei. O calor de seus braços e o perfume amadeirado que sempre o acompanhava me envolveram. Ele caminhou até o lobby com passos firmes, atraindo alguns olhares curiosos dos recepcionistas e hóspedes, mas Noah parecia indiferente.
Ao entrar no quarto, ele empurrou a porta com o ombro e a fechou com o pé. O ambiente era amplo e elegantemente decorado, com uma cama king size no centro e grandes janelas que exibiam a vista iluminada da cidade. Mas eu mal conseguia focar nos detalhes; minha atenção estava completamente nele.
Ele me colocou no chão com cuidado, e seus dedos se demoraram em minha cintura por um instante antes de se afastarem.
— Pronto. Agora, vamos tirar essa coisa antes que você acabe sufocada nela.
— Eu posso fazer isso sozinha — murmurei, sem muita convicção, tentando alcançar o zíper nas costas.
— Não pode — ele retrucou, já se posicionando atrás de mim. Suas mãos eram firmes, mas cuidadosas, enquanto abaixava o zíper.
O tecido escorregou lentamente pelos meus ombros, revelando minha pele. Por um momento, senti minha respiração falhar. Noah evitava olhar diretamente para mim, mas havia algo na forma como seus dedos guiavam o vestido que denunciava uma certa hesitação.
Quando o vestido finalmente caiu no chão, ele pegou uma das suas camisetas na mala. A peça era enorme e cheirava a ele — uma mistura de sabonete e algo amadeirado que fazia meu coração acelerar.
— Veste isso. Vai ficar mais confortável.
Ele me ajudou a colocar a blusa, puxando as mangas sobre meus braços e ajeitando o tecido ao redor do meu corpo. Eu sentia meu rosto aquecer com o gesto, enquanto ele observava o resultado com um sorriso de canto.
— Não ficou tão ruim. Parece um vestido, mais ou menos. — A provocação em sua voz era clara, mas não havia como negar o toque de carinho em suas palavras.
Ele se afastou, deixando-me sozinha na cama. Enquanto eu tentava me acomodar, o calor do vinho e o cansaço começavam a tomar conta de mim. Noah sentou-se na poltrona ao lado, pegando um livro de sua mala. Ele parecia tão confortável, tão em paz, que aquilo me irritava.
Tentei seduzi-lo com olhares e sorrisos, mas ele permanecia impassível, apenas lançando olhares rápidos em minha direção.
Não sei exatamente por que eu estava fazendo aquilo.
— Você está tentando alguma coisa, Hailey? — ele perguntou, finalmente desviando o olhar do livro.
Eu não respondi, apenas me aproximei dele. Mas antes que pudesse fazer algo, ele segurou meus braços com firmeza, o calor de suas mãos contra minha pele arrepiando todo o meu corpo.
— Não vou fazer isso com você agora, especialmente depois de todo o vinho que você tomou. Se quiser alguma coisa, vai ter que estar sóbria.
Ele me soltou, mas o peso de suas palavras permaneceu. Era impossível dizer se ele estava me provocando ou protegendo. De qualquer forma, Noah sempre parecia ter o controle, e eu não podia negar o quanto isso me atraía.
— Agora, dorme, boneca — ele disse, voltando para a poltrona com um sorriso divertido. — Amanhã você vai precisar estar em forma.
Ele começou a ler novamente, sua voz grave preenchendo o quarto enquanto recitava algum trecho de lei.
Enquanto eu lutava contra a sonolência, Noah sentou-se ao lado da cama, seu olhar fixo em um livro que ele havia pegado de sua bolsa. Ele parecia tão sereno e focado, como se nada pudesse perturbar sua concentração. Era quase irritante o contraste entre sua calma e a confusão que eu sentia por dentro.
Depois de virar algumas páginas, ele limpou a garganta e começou a ler em voz alta, sua voz grave e firme preenchendo o silêncio do quarto.
— "Artigo 1º, da Lei 10.406 de 2002... — começou ele, sem olhar para mim. — A capacidade civil da pessoa é plena, salvo as exceções previstas em lei."
Tentei manter os olhos abertos, mas a combinação do tom cadenciado da sua voz e o cansaço que me dominava dificultava minha concentração. Mesmo assim, não pude evitar um sorriso ao ouvir o tom sério que ele usava.
— Você está mesmo lendo leis para mim? — perguntei, minha voz abafada pelo travesseiro.
— Você precisa de um bom sono, e eu preciso de prática, — respondeu ele, com um sorrisinho no canto dos lábios. — Matamos dois coelhos com uma só cajadada. Agora, preste atenção, é importante.
Eu revirei os olhos, mas fiquei quieta, deixando-o continuar.
— "Artigo 2º," — prosseguiu ele, — "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos..."
Ele fez uma pausa, olhando para mim por cima do livro.
— Vinho conta como "tóxico", princesa? Porque, se contar, você acabou de se autoincriminar. — Seu tom provocativo trouxe um sorriso fraco ao meu rosto.
— Talvez — murmurei, já sentindo o sono me dominar novamente.
Ele voltou a ler, sua voz ecoando suavemente pelo quarto. As palavras, que antes pareciam tão formais e distantes, começaram a soar como uma melodia baixa, embalando-me para o sono.
— "Artigo 3º. Os menores de 16 anos são absolutamente incapazes... e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade..."
Eu pisquei lentamente, sentindo minha mente se afastar de tudo, como se cada palavra dele fosse um passo para um mundo de sonhos. A voz de Noah tornou-se um murmúrio distante enquanto meu corpo se rendia ao cansaço. Antes de perder completamente a consciência, ouvi-o rir suavemente.
— Você está piscando mais do que um farol, Hailey. — Ele falou, sua voz agora cheia de diversão. — Acho que isso já está funcionando.
Eu murmurei algo incoerente, e ele continuou lendo, mesmo sabendo que eu já não ouvia mais. Sua voz foi a última coisa que lembro antes de cair em um sono profundo, seguro e estranho sob o cuidado de alguém que eu não sabia ao certo se odiava ou adorava.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro