Capítulo 31
À distância, BlackWhite sempre me pareceu uma ilha desolada, uma mancha escura perdida no oceano, associada apenas à pobreza e à solidão. No entanto, mal podia imaginar o tesouro escondido sob a superfície aparentemente áspera da ilha. Assim que pisamos em terra firme após horas de navegação pelo mar de Ondina, me vi imersa em um mundo de beleza indescritível. A paisagem diante de mim era como algo saído de um sonho. Árvores majestosas se erguiam em profusão, formando uma densa floresta que parecia pulsar com vida própria. As montanhas se recortavam no horizonte, suas silhuetas imponentes contrastando com o céu límpido, que após uma recente tempestade, exibia um azul profundo e sem nuvens. O sol, emergindo timidamente no horizonte, pintava o céu com tons de laranja e rosa, enquanto o ar frio, embora fresco, envolvia-me como um abraço caloroso, proporcionando um conforto incomum. À medida que caminhávamos pela floresta, cada passo revelava uma nova maravilha. Os sons da natureza ecoavam ao nosso redor: o canto dos pássaros, o murmúrio dos riachos escondidos entre a folhagem, o farfalhar das folhas ao vento. Mesmo com o amanhecer gradual do dia, pequenos pontos de luz dançavam entre as árvores, revelando a presença mágica de vagalumes que pontilhavam a paisagem com seu brilho intermitente.
Com a ajuda de Nicolay e minha fiel bengala, que agora parecia ter vida própria em minhas mãos, adentrávamos ainda mais na floresta, cada descoberta alimentando nossa curiosidade e admiração. Enquanto explorávamos esse paraíso escondido, a sensação de pressa que nos envolvia parecia distante, substituída pela vontade avassaladora de permanecer naquele lugar de beleza indescritível para sempre. Ao meu lado, apenas alguns membros do meu grupo me acompanhavam, enquanto os demais aguardavam no navio, uma pequena ilha de segurança em meio ao mar de maravilhas que agora explorávamos.
— Este lugar é incrível. — Disse Helena não conseguindo parar de encarar o céu.
— Pena que não poderemos ficar por mais tempo. — Comentou Catarina.
Achei curioso o comportamento de Catarina quando ela descobriu sobre o relacionamento entre Nicolay e eu. Ao invés de explodir em raiva como eu esperava, ela permaneceu surpreendentemente calma. Não proferiu uma palavra de reprovação nem tomou qualquer atitude impulsiva. Até mesmo suas implicâncias habituais pareciam ter diminuído.A ausência de sua reação habitual deixou-me intrigada. Seria uma trégua temporária, uma estratégia calculada, ou algo mais profundo? Não pude deixar de me perguntar sobre os motivos por trás desse comportamento inesperado. No entanto, enquanto isso, uma sensação de alívio suave se infiltrava em mim, sabendo que, pelo menos por enquanto, não enfrentaria a tempestade que imaginava que viria de sua parte.
— Temos até o fim da tarde para encontrar o Clevan. — Lembrou Nicolay tirando algumas folhas de nossa frente para que pudéssemos passar.
— Pensei que o Clevan só aparecesse a noite por ser um lobo da noite. — Disse Lucky confuso.
— Não leve tudo tão ao pé da letra Lucky. — Respondeu Kedra.
— E como saberemos qual lobo é o Clevan tem algo específico? — Perguntei.
— Não, apenas saberemos. — Respondeu Rixon. Dei de ombros.
Continuamos nossa jornada em direção a Brist, uma localidade isolada dentro de BlackWhite. Nessa região, as pessoas têm o hábito de se estabelecer no norte da ilha, longe de aglomerações e centros urbanos improvisados. Assim, não esperávamos encontrar nenhum acampamento ou cidade à nossa frente. À medida que avançávamos pelos caminhos sinuosos da floresta, a sensação de isolamento aumentava. A vegetação densa parecia criar uma barreira natural entre nós e o resto do mundo, enquanto o silêncio da natureza envolvia nossos passos, interrompido apenas pelo ocasional chilrear dos pássaros ou o murmúrio distante de um riacho.Apesar da solidão aparente, uma aura de expectativa permeava o ar.
Brist prometia ser um refúgio, um lugar onde o tempo seguia seu próprio ritmo e as preocupações do mundo exterior desvaneciam. Enquanto avançávamos, eu me perguntava quais segredos e maravilhas essa localidade remota guardava, ansiosa por desvendar mais um mistério de BlackWhite.
— Acho que chegamos. — Observando o mapa gentilmente cedido por Peter, Lucas ponderou.
"A entrada para Brist é tão majestosa quanto a de SunFifth e MoonFifth", exclamou Lucas, maravilhado, enquanto observávamos a cena diante de nós. O corredor enorme se estendia à nossa frente, com árvores curvando-se graciosamente para os lados, formando uma espécie de ponte natural invertida. Era uma visão verdadeiramente deslumbrante.Após atravessarmos essa passagem espetacular, nos deparamos com um cenário ainda mais impressionante. Diante de nós se estendiam várias montanhas, suas formas destacando-se contra o horizonte. Entre elas, a água fluía em cursos sinuosos, criando uma série de cachoeiras que pareciam dançar sob a luz do sol.
"É algo simplesmente incrível", murmurei para mim mesma, compreendendo finalmente por que meus pais adotivos, o rei e a rainha, tinham um amor tão profundo por este lugar e estavam sempre dispostos a ajudar no que fosse necessário. Aqui, a beleza da natureza e a serenidade do ambiente se fundiam de forma inigualável, criando um verdadeiro paraíso na terra.
— Vamos descer e nos estabelecer na área central. Sugeriu Kedra, apontando na direção do centro lá embaixo. — O Clevan não deve estar longe; tenho certeza de que ele sentirá nosso cheiro e acabará vindo até nós.
— Podemos descansar um pouco mas teremos que ficar em alerta. — Nos alertou Gerad.
Acenamos em concordância.
— Está preparada alteza? — Perguntou Helena.
— Sim, estou. — Respondi um pouco relutante.
Mas no fundo eu queria responder "Não! não estou preparada. Estou apavorada."
— E sua perna? Você sabe que não poderá ir atrás do Clevan com as bengalas certo? — Conferiu Nicolay.
— Certo. Claro que sei. — Respondi.
— Bem então vamos! — Gritou Lucky com uma animação estranha.
E que seja o que os senhores e os deuses quiserem.
...
— Você acha que conseguirei matar o Clevan? — Me aproximei de onde Kedra está sentado.
Diante das majestosas montanhas, observávamos as águas do amplo rio à nossa frente, batendo com suavidade contra suas margens.
— Claro que vai! — Respondeu, de forma confiante.
Notei uma mudança em Kedra desde que me entendi com Nicolay. Acho que de alguma forma isso o afetou.
— Nunca tive a oportunidade de falar com você sobre Nicolay. — Falei tendo dificuldades de me sentar mas ao final consegui.
— Não Meri, não precisa se dar ao trabalho. Não é da minha conta. — Disse direto.
— Por que nunca me disse de seus sentimentos por mim? Se não fosse por Helena ainda não saberia. — Questionei, ansiando por uma resposta.
— E que diferença faria se eu te contasse? — Perguntou me olhando nos olhos.
Fiquei em silêncio, sem ter uma resposta pronta, enquanto encarava as águas à minha frente. Distraída, comecei a brincar com meus poderes, perdida em meus próprios pensamentos.
— Faria alguma diferença? — Me perguntou novamente insistindo em saber minha resposta.
— Acho que não, não faria. — O encarei e respondi com franqueza.
— Foi o que pensei. — Voltou a encarar a água.
— Mas isso não muda a importância que você tem para mim. Você é um grande amigo. — Falei quebrando o silêncio e dissipando qualquer tensão que pudesse pairar no ar.
— Eu sei que não muda e fico feliz. — Respondeu ainda encarando a água e não a mim.
— Espero que as coisas não tenham ficado estranhas entre você e Nicolay. — Torci em pensamento. Espero não ter causado nenhum desentendimento entre irmãos.
— Por incrível que pareça não ficou. — Respondeu sincero fitando o chão.
— Que alívio. Seria realmente desagradável. — Voltei a brincar com meus poderes.
— Você mudou Nicolay, Meredith. Ele nem parece mais a mesma pessoa. É evidente para todos que você o faz feliz, e eu amo meu irmão. Quero apenas o melhor para ele. Vocês foram feitos um para o outro. Quem sou eu para interferir? Tenho plena confiança de que ele cuidará de você melhor do que eu. — Respondeu Kedra, surpreendendo-me com suas palavras.
— Não sei por que diz isso. Você saberia cuidar de mim tão bem quanto Nicolay. — Respondi, dando-lhe um empurrão brincalhão nos ombros e sorrindo.
Kedra retribuiu o sorriso, o que me deixou feliz.
— O fato é que eu morreria por você, Meredith. A pena é que Nicolay também. — Brincou Kedra.
Ele sorriu descontraído, mas o peso de suas palavras caiu sobre mim como uma rocha. Nunca imaginei que ouviria algo assim de alguém. É uma sensação estranha, não sei se é verdadeiramente reconfortante ou preocupante. No entanto, o alívio é palpável ao saber que Kedra está lidando bem com a situação, tão bem que até faz piadas.
— Ei! Estão escutando? — Perguntou Gerad chamando a atenção de todo mundo.
— O que é que estamos escutando? — Perguntou Lucky.
— Shhh! Faça silêncio... Escute! — Sussurrou Gerad com as mãos nos ouvidos para escutar melhor.
Todos ficamos em silêncio. Paralisados.
— Ouviram? — Perguntou novamente.
Um chiado crescente, como se algo estivesse pisando em folhas e galhos, ecoou em nossa direção de maneira assustadora.
— É ele? — Perguntou Catarina pela primeira vez assustada.
— Não sei. — Respondeu Helena tão apreensiva quanto.
Nicolay fez um gesto com os dedos, indicando que deveríamos manter o silêncio, e se aproximou do local de onde vinha o barulho.
— Meredith pegue seu arco e flecha e venha para cá. Devagar. — Reforçou Nicolay.
Ele estava meio agachado, encarando o local de onde parecia vir o barulho. Com a ajuda de Kedra, levantei-me. Embora ele tenha oferecido a bengala, a recusei e peguei meu arco e flechas, seguindo em direção a Nicolay.
— Você fará isso sozinha. — Disse.
— O quê? Sozinha? — Perguntei pasma.
— Mas é claro meu bem você terá que caça-lo. — Disse Nicolay com naturalidade.
"Para ele é fácil, mas para mim não", pensei enquanto Nicolay terminava de falar. Logo em seguida, o lobo da noite apareceu, emergindo de trás de um arbusto. Céus! Ele era enorme, mais parecia um urso do que um simples lobo. Um medo assustador me atingiu instantaneamente.
— Vamos meu bem você consegue. Eu sei que consegue. — Nicolay me encorajou.
Ele tem o hábito de me desafiar apenas para provocar minha ira, mas desta vez não tenho certeza se terá sucesso.
— Vamos Meredith você consegue! — Disse Helena reforçando o apoio.
— É! Isso aí! — Todos concordaram em uníssono.
— Mas ele é o triplo do tamanho de um lobo normal. Ele vai pisar em mim como se eu fosse uma formiga. —Eu disse, observando Clevan que começava a surgir ao longe.
— Estaremos aqui se algo der errado. Vamos acudi-la se precisar. — Nicolay tentou me tranquilizar.
— Certo. — Concordei, mas na verdade eu queria sair correndo dali sem se quer olhar para trás.
Respirei fundo e devagar fui em direção ao Clevan.
Respirei fundo e avancei cautelosamente em direção ao Clevan. Ele não estava muito próximo, então precisava me aproximar com calma para não chamar sua atenção prematuramente. A beleza exótica do lobo era hipnotizante: seus olhos amarelos pareciam brilhar sob o sol, enquanto sua pelagem misturava tons de preto, vermelho vinho e roxo. Seguindo o olhar do lobo, avistei o veado tranquilamente pastando na grama. O Clevan estava em posição de ataque, e a decisão de esperar ou agir logo se fez presente. Antes que pudesse decidir, ele disparou em direção à presa. Seus músculos poderosos trabalhavam com uma elegância selvagem enquanto ele se movia rapidamente. Em poucos instantes, o veado estava em suas garras, uma cena selvagem que me deixava arrepiada.
Com cuidado, avancei, escondendo-me entre as árvores, armando meu arco e mirando nas flechas. Sabia que não poderia abatê-lo com uma única flechada; precisaria imobilizá-lo para conseguir me aproximar. Contudo, minha primeira tentativa chamou sua atenção de forma indesejada, fazendo-o virar-se para mim com os dentes ensanguentados. O medo me tomou, e corri sem olhar para trás, minha mente apenas focada em escapar da fera. Cada árvore se tornava meu refúgio temporário enquanto me aproximava do lobo da noite. Finalmente, decidi parar e enfrentá-lo. Mesmo com meu joelho latejando de dor, recusei-me a desistir. Uma queda acidentada me sujou de terra, mas minha determinação permanecia inabalável. Encarando Clevan à distância, percebi um cansaço em seus olhos amarelos. Era como se ambos estivéssemos exaustos da perseguição. Com uma nova coragem, abandonei meu arco e flechas, optando por uma abordagem diferente. Caminhei em sua direção lentamente, observando sua reação. Ele rosnou, mas algo em seu comportamento indicava uma possível trégua.
Então, algo surpreendente aconteceu. O lobo se curvou diante de mim, uma demonstração de submissão inesperada. Com um misto de receio e curiosidade, toquei gentilmente em seu queixo, forçando-o a olhar para mim. Nos seus olhos, vi mais do que a fera selvagem que esperava encontrar. Havia tristeza, um pedido silencioso por misericórdia. Nesse momento, minha decisão foi tomada. Não podia machucá-lo. Acariciei seus pelos com ternura, sentindo uma conexão improvável se formar entre nós. A coragem substituiu o medo, e percebi que talvez houvesse uma maneira diferente de resolver nosso conflito.
"Alguns precisam morrer para dar uma vida com benefícios a outros." Me lembrei das palavras de Nicolay.
O belo lobo da noite era tão bruto por fora, mas tão sensível por dentro. Ao abraçá-lo, senti meu peito apertar.
— Me perdoa. — Sussurrei deixando uma lágrima escorrer.
Tirei cuidadosamente a estaca que havia sido fincada nas minhas botas, preparando-me para o confronto que se aproximava. Com um movimento rápido e preciso, afundei a estaca no peito do imponente lobo da noite. O gemido agudo que ecoou pela floresta fez meus ouvidos zumbirem, enquanto lágrimas brotavam dos meus olhos. O animal, agora inerte, jazia de forma majestosa no chão, seus olhos vazios encarando as minhas mãos manchadas com o seu sangue. Senti um misto de alívio e tristeza ao contemplar a morte da fera que me desafiara. Enxuguei as lágrimas, respirando fundo para me recompor diante da visão trágica que se desenrolava diante de mim.
— Nicolay! — O chamei. — Acabei.
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